No final de junho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama, Janja da Silva, estiveram na Favela do Moinho, região central de São Paulo, para anunciar um robusto programa de reassentamento habitacional. O evento, que deveria marcar um avanço social, acabou reacendendo polêmicas sobre a relação entre o governo federal e organizações com histórico de envolvimento com o crime organizado, em especial o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Negociação e articulação com liderança controversa
Segundo apurações do portal Metrópoles e confirmadas por investigações da Polícia Civil, a visita presidencial foi negociada diretamente com a Associação da Comunidade do Moinho, presidida por Alessandra Moja Cunha. Alessandra, ex-presidiária condenada por homicídio, é irmã de Leonardo Monteiro Moja, conhecido como “Léo do Moinho”, apontado como integrante do PCC e chefe do tráfico local. A própria sede da associação já funcionou, de acordo com registros policiais, no mesmo endereço de um ponto de drogas do PCC, evidenciando a sobreposição entre atividades sociais e ilícitas.
A articulação política envolveu ainda Yasmin Moja, filha de Alessandra, que atua como interlocutora da ONG junto ao governo federal e participa de reuniões com ministérios e órgãos públicos. Desde o início do atual mandato, representantes do governo Lula se reuniram ao menos cinco vezes com membros da associação, incluindo uma visita do ministro Márcio Macêdo, da Secretaria-Geral da Presidência, dois dias antes do evento oficial.
Críticas à polícia e retórica ensaiada
Durante o evento, Flavia Maria da Silva, considerada porta-voz da associação e ligada à família Moja, proferiu críticas contundentes à Polícia Militar de São Paulo e à gestão do governador Tarcísio de Freitas. Seu discurso reforçou uma retórica “anti-polícia” que, segundo membros do Ministério Público de São Paulo, teria sido ensaiada para deslegitimar o trabalho das forças de segurança estaduais, ampliando o vácuo de poder ocupado por lideranças locais ligadas ao crime.
O projeto de reassentamento e dúvidas sobre protagonismo político
Lula anunciou um projeto de reassentamento no valor de até R$ 250 mil por família, sendo R$ 180 mil provenientes da União. Os recursos serão destinados à compra de imóveis e ao pagamento de aluguel social. A intermediação do projeto ficou novamente sob responsabilidade da associação liderada pela família Moja, o que levantou dúvidas sobre a concessão de protagonismo político a uma ONG apontada como ligada ao PCC.
O Ministério Público expressou preocupação com a influência territorial construída pela família Moja, que teria ocupado o espaço deixado pelo Estado para disseminar narrativas hostis às autoridades e fortalecer sua posição junto à comunidade.
Posicionamento do governo e reações
A Secretaria de Comunicação da Presidência alegou que a agenda na Favela do Moinho tinha caráter exclusivamente institucional e que a escolha da porta-voz da ONG se deu por sua “trajetória reconhecida e idônea”. O ministro Márcio Macêdo destacou a importância da participação de lideranças locais na formulação de políticas públicas, afirmando que nenhuma ameaça constava no protocolo de segurança da Presidência.
Apesar das justificativas oficiais, o caso reacendeu o debate sobre os riscos de envolvimento do poder público com entidades sob suspeita de ligação com o crime organizado, especialmente em áreas marcadas por vulnerabilidade social e ausência do Estado.
Repercussão e próximos passos
A visita presidencial e o anúncio do projeto de reassentamento colocaram em evidência a complexidade da relação entre políticas sociais e a presença do crime organizado em comunidades periféricas. O episódio deve continuar repercutindo, com cobranças por maior rigor na escolha de interlocutores e transparência na execução de programas habitacionais em áreas de risco.